Transcrição da 2.ª Entrevista
Local da entrevista: Unidade Estruturada de Autismo da Escola Básica 1 e Jardim de Infância Conquinha
Profissão da Entrevistado: Professora de ensino especial da Unidade Estruturada de Autismo
Data: 17 de Maio
Duração: Quarenta e cinco minutos
Hora da entrevista: 10:30h
Inicialmente o grupo procedeu aos habituais formalismos e legitimação da entrevista e de seguida, com a autorização para a gravar, procedeu a execução da mesma.
Grupo (G) : Bom dia professora
Entrevistada (E) : Bom dia meninas!
G: O projeto envolve a temática do valor do dinheiro. Em que medida a abordagem deste tema foi útil para as crianças da UEA?
E: O valor do dinheiro é algo fundamental no nosso dia-a-dia. Apesar de ser considerado por muitos de nós algo banal, não o é. É de facto de uma pertinência extrema utilizar este tema com crianças com esta patologia. Porque é assim, o objetivo principal que temos com estas crianças é que consigam ser o mais autónomas possível. Consigam sair da zona de conforto. Consigam ter uma vida dita normal. A forma como abordaram o tema e como envolveram as crianças no projeto foi digno de um “ BRAVO”.
G: Relativamente ao projeto aplicado e a nível geral, considera que este foi um projeto com pertinência tendo em conta as características das crianças da UEA?
E: Bom quanto a isso, é assim, este projeto, tal como já tenho dito ao longo do decorrer do mesmo, foi sempre adequado a cada criança. E não ao conjunto de crianças. É importante salientar isso, porque requer um trabalho mais intensivo. Foi preciso conhecerem bem as capacidades e limitações de cada criança para desenvolverem o projeto da forma brilhante como o desenvolveram. Pronto, em relação a isso, apesar do culminar deste projeto ser supostamente na ida ao supermercado, para mim, o mais importante foi todo o trabalho de pesquisa e de realização de material que vocês tiveram. E não foi pouco (risos). Mas penso que pra vocês enquanto profissionais, aprenderam muito e de certo cresceram muito com a execução deste projeto.
G: O projeto abrangeu três fases distintas: as simulações, a consolidação de informação recebida com a realização de fichas e por fim a ida ao supermercado. Qual considera ter sido a mais importante no desenvolvimento de aprendizagens por parte das crianças? (qual a mais útil)
E: Penso que não vale a pena distinguir uma fase mais ou menos útil. Na verdade, as três fases foram cruciais para o desenvolvimento de aprendizagens a vários níveis. E é nesse sentido que vejo o vosso projeto como um só. De facto, o projeto abrange três fases mas estas são evolutivas e permitem passo a passo o desenvolvimento da criança de forma calma e persistente tendo em conta as limitações. Primeiramente com as simulações conseguiram que os nossos meninos tivessem um primeiro contacto com o dinheiro e com a realização de trocas (dinheiro por objeto). De seguida ao irem introduzindo as fichas fez com que os conteúdos adquiridos em cada simulação fossem consolidados e adquiridos com mais solidez. O ponto alto do projeto, ida ao supermercado, serviu de certa forma para ver se a nível prático as crianças tinham percebido como utilizar o dinheiro e de facto foi um sucesso. Para além de que nesta última fase também se deve destacar toda a interação dos próprios miúdos com as pessoas do supermercado.
G: Ainda relativamente a estas três fases qual julga que teve mais impacto junto das crianças? Qual considera que estes gostaram mais? Porquê?
E: Acho que eles gostaram muito de ir às compras, foi algo fora do comum, diferente daquilo que eles estão habituados. E pronto, se eu cada vez que fosse as compras a senhora da loja me desse um chocolatinho, claro que dava pulos de alegria (risos). Mas eu acho que de facto eles gostaram de sair da UEA, de ir à rua e fazer uma coisa que não é hábito. Via-se que estavam motivados.
G: Como considera ter sido a reação e interação dos alunos em cada uma das fases do projeto? (interesse, motivação, empenho)
E: Lá está onde eu acho que eles tiveram mais motivados foi na ida às compras, no entanto, julgo que todos eles se interessaram por todas as fases do projeto. Sabiam quando é que vocês vinham. Apesar de não saberem quando é que era a vez deles, demonstraram-se sempre todos entusiasmados e curiosos para participar. Tenho de destacar o “Pedro” que de facto é um menino com grande desorientação face ao cumprimento das regras e ansiedade excessiva face a situações novas mas que eu vi sempre motivado e interessado para fazer as atividades convosco. E o que mais me espantou foi que este menino sofre de défice de atenção , desconcentra-se com tudo o que mexe (risos) e quando ia fazer fichas , quando ia fazer simulações e até mesmo quando foi às compras mostrou uma concentração extrema no que fazia. Claro que durante um X tempo. Mas nunca vi o “Pedro” assim. Tão concentrado. Surpreendeu-me mesmo pela positiva, lembro me de falar disto convosco e com a professora Cristina e de também terem achado. Foi mesmo impressionante.
G: Quanto ao material que realizámos (fichas), considera que será útil a níveis futuros?
E: Sim é claramente um material que iremos integrar nos nossos materiais de ensino. Foi algo muito bem construído que tem em conta as características dos nossos meninos, e isso é muito importante. Será bastante útil não só com estes meninos como também como suporte para a realização de mais fichas para outras crianças com esta patologia que entrem na UEA. Foi algo que vos deu muito trabalho, muito tempo despendido dentro e fora da Instituição mas com um resultado final de excelente qualidade. Ainda bem que aceitaram ficar cá para o ano, para nos poderem ajudar a tornar este projeto uma rotina.
G: Considera que a Palestra realizada à comunidade escolar promoveu alguma mudança ou sensibilização perante as crianças da UEA?
E: A Maria João (auxiliar) já nos veio dizer por diversas vezes no recreio vê os meninos do ensino regular mais preocupados e mais atentos às dificuldades. As próprias professoras do ensino regular, tal como já vos tínhamos dito, falaram connosco e abordaram essa questão, gostaram mesmo muito da vossa intervenção. Não sei se já vos disse também mas no outro dia (pausa) acho que disse foi à professora Cristina (pausa) quer dizer também isso agora não interessa, mas no outro dia a professora do “ Sandro” disse que em conversa com alguns pais dos seus alunos do ensino regular tinha sido abordado esse tema da importância da palestra. Até os próprios pais das crianças do ensino regular foram abrangidos pela vossa sensibilização. Por isso acho que a Palestra a nível de impacto foi mesmo estonteante!
G: Tendo em conta o desenvolvimento do projeto considera ter sido importante esta abordagem destinada aos alunos do ensino regular?
E: Pronto acho que em relação a isso já respondi na resposta anterior. Mas sim sem dúvida nenhuma que foi importante. Temos de criar gerações futuras que se preocupem com pequenas coisas. Hoje em dia cada vez mais existe a perda de valores e a perda de amor ao próximo e de inter-ajuda. Acho mesmo muito importante as crianças perceberem a realidade que as rodeia, terem a noção que existem diferenças e que não se pode ou não se deve simplesmente ignorar. Há que criar gerações futuras que se preocupem, que tomem iniciativa, que estejam atentos às dificuldades e diferenças e que não pensem só neles próprios.
G: Para finalizar, no geral e relativamente ao projeto aplicado acha que este proporcionou uma evolução significativa no desenvolvimento das Crianças? Se sim, em que medida?
E: Sim, definitivamente que sim. Acho que já fui respondendo a isso mas de facto as crianças desenvolveram aprendizagens a vários níveis ao longo deste projeto. Tal como já disse mas nunca me cansarei de repetir, este projeto foi de facto uma mais-valia para o desenvolvimento destas crianças, para o enriquecimento cultural das mesmas. Esta intervenção promoveu-lhes ter acesso a informações preciosas quando se trata do dia-a-dia real, nomeadamente, a utilização do dinheiro e a perceção do seu valor. Há coisas que são muito importantes no dia-a-dia de uma pessoa, como por exemplo chegar a um supermercado e dizer “bom dia”, “boa tarde”, “obrigado”. São estas pequenas coisas que fazem a diferença e que podem influenciar a visibilidade destes meninos perante a sociedade. É crucial integra-los na sociedade, eles não são nenhuns bichos, são seres humanos que apenas precisam de mais tempo para aprender, para assimilar as coisas, mas que com tempo, dedicação e formas adequadas de aprendizagem, se tornam em pessoas muito queridas e muito bem formadas. Às vezes até mais bem formadas que muitos que por aí andam.
G: Portanto pode dizer-se que este projeto foi uma mais-valia?
E: Sim sem margem para dúvidas que sim.
G: Tendo em conta que têm acesso a toda planificação e avaliação do projeto que desenvolvemos aqui na Unidade, considera que será algo para repetir a nível futuro?
E: É sem dúvida um projeto muito bem conseguido e é por esse mesmo motivo que vos convidámos a ficar aqui. Este projeto é da vossa autoria, foi algo que construíram em comunhão connosco mas que sem vocês não era a mesma coisa. Foram incansáveis relativamente a todo o apoio que nos deram não só a nível de materiais que realizaram, como também a nível de apoio pessoal que nos deram. Como as coisas estão hoje em dia é difícil concretizarmos todos os projetos que gostaríamos com os nossos meninos e com vocês conseguimos dar qualidade de ensino a estas crianças com toda a dedicação que elas merecem.
G: Obrigado nós, será um prazer enorme continuar a poder trabalhar convosco!
E: Para nós também!